Cantiga da Morte*

Um certo homem apanha a sua viola, toca-a, mas sem ritmo, sem rima, sem canção.

E aquele eco sem nexo chega aos ouvidos da vizinhança que tenta dormir, ali todos dormem cedo, jantam cedo e precisamente às 21:00 h de todas as noites o silêncio predomina, nem o barulho do vento se ouve, até aquela noite de um ano qualquer.

Aquele som angustiante, frustrante, penoso encerra o décimo primeiro sono daquele povo.

Maria, José, Joel, João, Joaquina, Joana, Noélia e afins, levantam-se e o alarido está formado. – O que está acontecendo? Uma voz sobrepõe-se ao tumulto crescente e como resposta tem-se mais balbúrdia que advém da viola desgastada pelo tempo. Em seguida a multidão já reunida vai de encontro ao som ininteligível, o encontra. – Mas ali não é o Zé da Viola o melhor cantor da região? - O que ele está tocando? Como resposta ouve-se um som ainda mais alto, mais estridente, mais arrastado. Então Zé da Viola pára e levanta aquele olhar sem vida, que nada reflete, para a pequena multidão que aglomerou-se a sua frente, por um capricho do destino ele estava tendo mais público quando cantava a sua pior canção, se “aquilo” podia-se chamar assim. – Hoje não canto a vida, meu povo, canto à morte. Voltou a tocar, todos pararam e ouviram aquele sôfrego som, não acharam-na bela, mas aquela trova tinha agora um novo significado: o entendimento. Por fim ele parou, ouviu-se aplausos, mais aplausos, até que todos regressaram as suas residências, cada qual com seu adágio, cada qual com suas cruzes.  Conheciam agora a cantiga da morte e quando ela por fim chegasse iriam cantá-la e a conclusão do ciclo seria mais bela, teria cantiga. Então todos dormiram, dessa vez ninguém acordou, Zé da Viola tocava outra vez. 

*Todos os personagens que encontram-se nesse texto são personagens fictícios .