sábado, 11 de junho de 2011

'Keep The Faith"

Aqueles pés descalços tocam a areia fina que atrita sua pele, está andando. Há um tempo atrás ele era cadeirante, durante vinte e cinco longo anos. Viu o mundo passar sobre rodas, ia de norte a sul, de leste a oeste, tinha rumo certo. Todas as manhãs de segunda a domingo acordava por volta das 04:30 h da manhã para o seu costumeiro roteiro. Já era conhecido da vizinhança, quando passava via inúmeras mãos a acenar-lhe.
Sua função tinha essa coisa positiva, a única. Ele estava de certa forma fazendo seu network, marketing pessoal, se soubesse o que era, mas não sabia. A única coisa que sabia do inglês era o significado de “Keep The Faith” uma bela música de Bon Jovi que costumava ouvir em seu rádio movido a pilha. Fora movido pela curiosidade para conhecer o significado daquela canção que tanto ouvia até que pedira a sua vizinha Cidinha, moça muito atualizada para os padrões de vida dele e de sua vizinhança, a tradução desse hino, para ele era um hino. Até hoje sempre que a ouvia a única parte que acompanhava era o refrão que no português tinha como significado ‘Mantenha a fé’. Ah, e ele mantivera por seus vinte e cinco anos a fé, não que ele fosse otimista, pois não era. Acordava todos os dias sonhando com o tempo que tardava a chegar, no entanto por fim cá estava. Após sentir os seus pés na terra macia numa praia longe seguira para o ponto pegar um ônibus para regressar a sua humilde residência. No ônibus havia um cadeirante e eles começaram a jogar conversa fora, conversa de ônibus. Entre um diálogo e outro, ele dissera ao pobre desconhecido que já fora cadeirante por seus 25 anos, o cadeirante entre encabulado e boquiaberto perguntara-lhe. – E como foi que após tanto tempo o senhor conseguiu voltar a andar? Ele com toda a humildade respondera. – Caro amigo por 25 anos andei de cadeira de rodas assim como o motorista que nos conduz com segurança aos nossos lares, assim eu fiz por muito tempo, fui cadeirante, fui motorista de ônibus. Ah meu pobre rapaz, perdi incontáveis domingos que poderia estar com a minha família, perdi natais, perdi feriados, perdi as copas que o Brasil ganhou e também as copas que não ganhou, todavia mantive a fé e esperei com paciência que 25 anos passassem para que eu por fim me aposentasse. Agora cá estou, amigo. Deixei de ser cadeirante, mas o tempo passou demais. A minha esposa agora é ex. Ela não conseguiu esperar o tempo passar, então fui eu que passei na vida dela, hoje ela está vivendo com o vizinho da porta da frente, eles parecem serem felizes. Meus filhos tornaram-se adultos e me vêem como um estranho. Minha casa nem parece meu lar. “Então meu rapaz o que posso dizer-lhe é que não mantenha a fé demais e deixe o tempo passar, senão quem passa é você e não o tempo”. Então, desceu do ônibus com rosto contrafeito, ainda tentava sustentar a dignidade que ele não tinha. Entrou em casa, foi direto à cozinha, abriu a geladeira vazia, olhou a casa vazia, a cama vazia. “Keep the faith”, ligou o rádio.

9 comentários:

  1. Escreve muito bem , gostei do Post , apesar de um pouco grande li todo hehehe .
    seguindo seu blog , se puder faz uma visitinha no meu e se gostar siga e comente em algum post
    http://andyantunes.blogspot.com/

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  2. Eu sempre digo que nós devemos trabalhar para viver e não viver para trabalhar. E o seu texto ilustra muito bem o "viver para Trabalhar" e suas consequências.
    Gostei muito.

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  3. Seu texto tem uma leveza muito legal, atrai as pessoas assim. Sem contar com o desfecho que achei muito 10, uma boa sacada relacionar uma profissão exaustiva com uma prisão. É necessário saber viver, mesmo que as coisas pareçam dificeis, mas é necessário viver...

    Até mais!

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  4. Shooow, Parabéns Estou seguindo seu blog e com satisfação, muito bom msmo!
    Não só na questão conteudo (que eu adorei os textos que eu tive tempo para ler)
    mais também na questão organização e visual parabéns mais uma vez

    espero uma visita sua no meu blog

    http://umpalumpamaconheiro.blogspot.com/

    Bora Visitar o Meu blog galera!

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  5. Esse texto me fez refletir.
    Você ilustrou muito bem essa questão de viver em função do trabalho, com um desfecho brilhante.
    "...senão quem passa é você e não o tempo"...
    Essa frase me marcou.

    Belo texto.
    Até a próxima.

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  6. Ora, Parabéns.
    Ficou muito bom. Confesso que me surpreendi no final (mandou muito bem), sei lá, pelo início eu já estava imaginando outra história.. Mas a sacada foi ótima ^^
    Beijo

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