sábado, 24 de setembro de 2011

O Último Raio de Sol*


Há dias que ela sentia-se seguida, grandes olhos azuis poderosos a perscrutavam, indagavam-na.
Numa manhã fria de setembro ela corria contra o tempo, estava atrasada, perdeu o ônibus das 07:00 h e por isso preferiu ir andando a ter que esperar o próximo que só passava às 08:00 h. Apertou bem o casaco, pois fazia muito frio e seguiu o seu percurso. Em certo ponto do caminho sua mente estava em burburinho, perdida em pensamentos, atravessou a rua sem olhar para os dois lados e por pouco não morreu atropelada. A causa de ela não ter morrido eram aqueles grandes olhos que a dominavam. A morte era menos ameaçadora diante daquela visão, diante daquele olhar escarnecedor. Ele foi-se embora a passos largos sem nada dizer-lhe. Chegou ao trabalho ainda no horário, sentou-se em sua mesa, ligou o computador e começou a trabalhar sem comentar o ocorrido para ninguém, era melhor assim.
Fazia dois meses que aqueles olhos não a seguiam, era como se tivesse desapontado-o, sentia-se mais segura assim sem ter ninguém seguindo-a. Para sua surpresa nesse mesmo dia o encontrou após quase ser assaltada se ele não tivesse chegado a tempo. Na confusão ele ficou com o nariz quebrado, sangrando. Ela não sabia o que fazer, preferia-o longe, mas ele salvou-a da morte duas vezes e ela tinha ao menos que agradecer-lhe, assim ela correu atrás dele, mas perdera-o de vista. Procurou em vão por 1 h até que desistiu e foi para casa resignada, invocada. Depois desse dia o medo esvaiu-se de si, rezava todos os dias para encontrá-lo, tinha-o como anjo, apesar dos olhos frios como pedra. Ainda se horripilava quando rememorava como ele a olhava, olhos de ódio? Contudo ele a salvara, como podia odiá-la?
E assim um ano passou-se rapidamente, dois, três, quatro, ela quase olvidara dele, de sua fisionomia, mas os olhos ela jamais poderia esquecer, eram os mais belos e frios que já vira.

Hoje seria um belo dia domingo, ela podia sentir o sol chamando-a para fora, por isso saiu. Sentia sua pele queimar, o sol irradiava vida, nunca se sentira tão intensa como agora, queria saltitar, brincar como criança e foi assim que o vira, os olhos hipnóticos, todavia dessa vez eles chamavam-na para o fim, o seu fim, podia sentir. O sentimento exultante de vida era ascensão à morte, sentia a derradeira dor e o seu sangue escorrendo pela calçada, a alma fragmentava-se de seu corpo. Ainda podia reviver sua última visão, olhos de leopardo, azuis, dentro de um carro negro a toda velocidade e sua corpo calhando com violência no chão. Em poucos segundos estava rodeada de pessoas e de repente aqueles olhos azuis fitavam-na de perto bem acima de si, mais uma vez ele foi embora e deixou espaço para o último raio de sol que vira, a morte era o seu rebento.   

Um comentário:

  1. É um texto bem intrigante.
    As coisas acontecem de determinada forma para nos conduzirem a um desfecho. Mesmo assim é estranho refletir sobre alguém que nos salva e que também é responsável pelo nosso fim.

    Que bom que tornou a postar. Sei como é essa falta de inspiração e também de tempo.
    Até a próxima.

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